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Saúde / Bem-estar - Seu celular pode estar virando um vício; saiba identificar os sinais

Não basta contar os minutos para detectar o abuso, é preciso saber quando o smartphone traz sofrimento
  • Categoria: Geral
  • Publicação: 05/02/2023 12:51
  • Autor: O GLOBO - Por Mariana Rosário — São Paulo 05/02/2023 04h30 Atualizado há 5 horas
“Privacidade é importante para mim. E eu não tenho nada a dizer sobre coisa alguma”, desconversou o ator Keanu Reeves sobre sua total ausência nas redes sociais, a despeito do culto à sua imagem que existe na internet. Para nós, os outros simples humanos, resta a romaria de observação da tela do telefone a cada poucos minutos, algum desconforto com a distância do aparelho e — por vezes — horas a fio jogadas na lata do lixo observando vídeos de gatinhos, lances repetidos de futebol, dancinhas, trocas de roupas e trechos reprisados de filmes, novelas e podcasts, disponíveis na rede.
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A onipresença das telas permeia até consultas com psiquiatras e psicólogos, onde o uso do celular tem sido classificado pelos pacientes como fonte de encrencas sérias: de discussões familiares a possíveis acidentes de trânsito — passando por quadros de apatia e desânimo generalizado. A vida no trabalho fica comprometida, o encontro com os amigos piora bastante. Para se ter uma ideia do tamanho da questão, nós brasileiros passamos em média 5,4 horas diárias no telefone, um valor 30% maior do que o praticado antes da pandemia, diz o estudo da plataforma App Annie. Colocando em outra forma: é como se assistíssemos ao imenso filme “Titanic” inteiro e ainda sobrasse um tempinho para ver, mais uma vez, o último episódio do seriado “Game of thrones” diariamente. E amanhã de novo, e de novo.

— As pessoas estão viciadas, elas vão se atrapalhando com o uso do aparelho. Não param nem para fazer refeições, não conseguem passar um tempo com os familiares, nem se divertir— diz o psiquiatra Arthur Guerra, autor do livro “Você aguenta ser feliz?”, da editora Sextante.

No arsenal do especialista para debelar o abuso do telefone, está uma estratégia incisiva: ele pede que os pacientes enviem as chamadas “capturas de tela” com o tempo que gastaram no dia anterior, em todas as manhãs. Assim, pode sugerir que o individuo vá, progressivamente, reduzindo essa média.
Outra pesquisa, de neurocientistas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, mostrou impactos do uso de redes sociais no cérebro de adolescentes. Os jovens — acima de 12 anos — que costumam checar as redes sociais constantemente mostraram maior sensibilidade a “recompensas sociais”, o tal do “feedback”, do que o outro grupo que não olhava as redes. Não dá pra dizer, explicam os especialistas, que as plataformas danificam o cérebro, mas é possível observar que causam hipersensibilidade à opinião alheia.

Por que é tão irresistível?
Anna Lembke, psiquiatra da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e autora do livro “Nação dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar”, da editora Vestígio, explica que há razões psíquicas para o celular ser tão sedutor.

— Os smartphones funcionam essencialmente como drogas para o nosso cérebro. Sabemos que essas telas agem de maneira muito recompensadora — diz a especialista ao GLOBO.

Sua maior preocupação está focada no fato de que essas atividades costumam liberar descargas de dopamina, o neurotransmissor do prazer.

— Nosso cérebro se adapta a esse volume de dopamina e automaticamente começa a buscar reequilíbrio, entrando num estado de déficit do neurotransmissor. Num mundo de escassez de “recompensas” (como acontecia em tempos mais remotos) não há perigo em receber dopamina e o cérebro recalibrar. Mas quando temos muito acesso às drogas e buscamos mais por isso, entramos em um ciclo sem fim — afirma.

Nessa busca por estabilidade, o cérebro passa a demandar mais e mais consumo de dopamina para sentir prazer, e a ressaca deixada por esse estado de “déficit” fica cada vez maior.

— A médio ou longo prazo (o like) pode se tornar aditivo, a depender com a relação de outros sistemas do cérebro. Esse like pode ser reconhecido também como um estimulo necessário à vida e aí começamos a buscar esse reforço mais, e mais, e compulsivamente. Quando a pessoa não recebe esses likes, perde aquela dose de dopamina, começa a se sentir excluída, não validada. Se isso é repetido frequentemente, pode vulnerabilizá-la — explica Luiz Gustavo Zoldan, do Einstein.
Caminho de volta
Não se trata de demonizar o uso do aparelho. Mas sim de reconhecer que seu uso desenfreado é tentador, aditivo e nocivo — sobretudo à parte da população que tem alguma disposição ao vício. Estima-se que somente 10% dos usuários realmente tenha compulsão doentia pelo aparelho. A grande maioria apenas comete excessos.

A boa notícia é que existe um caminho de volta para o equilíbrio, e ele não envolve o isolamento eterno, distante de qualquer antena wi-fi. Trata-se de algo mais simples, mas ainda trabalhoso.

— Para quem não pode se abster totalmente das telas, indico a moderação. Porém, todos os dados mostram que teremos mais sucesso nesse controle após um período de abstinência. Recomendo ficar longe do celular por quatro semanas, mas isso é impossível para muitas pessoas. Que tal, então, um dia por semana totalmente longe de telas, sem tocar e sem acessar nada? — sugere Anna Lembke, cuja especialidade é justamente o tratamento de vícios.

Daniel Martins de Barros, psiquiatra e autor do livro “O lado bom do lado ruim: Como a ciência ensina a usar a tristeza, o medo, a raiva e outras emoções negativas a seu favor”, da editora Sextante, oferece dicas ainda mais realizáveis.

— É como o açúcar refinado. É bom, é gostoso, é útil? É. Mas é saudável? Tem que saber utilizar. Uma dica é verificar o tempo de uso, se tem aumentado. Ouvir as críticas dos outros é importante também — explica.

O equilíbrio não está necessariamente na ausência total das redes, como faz Keanu Reeves (embora às vezes dê vontade), mas no uso que respeita outras atividades do dia e não causa um mal-estar perceptível depois.

— Dizer que a sociedade está doente é algo que se repete desde o século XIX, não penso assim. É mais benéfico que cada um se avalie e cuide de seus hábitos— afirma Claudia Feitosa-Santana, neurocientista e autora do livro “Eu controlo como me sinto”, da editora Planeta.
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